terça-feira, 12 de maio de 2009

quem é o dono da rua?

O jornal Correio Popular de 12 de Maio
de 2009 publicou um texto de Carlos Henrique, editor do Descontrole, a respeito
da não realização da Virada Cultural Paulista em Campinas. Leia abaixo o texto
na íntegra:
Nada melhor que a sensação de apropriação dos espaços públicos da cidade em que se vive. Poder sentir-se confortável quando abraçado pelos prédios e monumentos faz do cidadão um ser livre e, ao mesmo tempo, responsável. O ato de caminhar pelas ruas e ter contato com a história e a cultura que delas emanam, sem medo, provoca no sujeito encantamento e o leva a interferir de maneira cuidadosa, procurando preservar aquilo que mantém viva a memória de sua cidade. Acontece que, em Campinas, essa sensação não tem sido freqüente. O descaso com a coisa pública e a falta de uma política cultural que integre cidadão e rua impede que haja encantamento. Quando alguém caminha apressado num mar de concreto que não lhe diz respeito, não alimenta em si o sentido de cuidado tão necessário para dar vida aos espaços públicos. Dessa forma, prédios históricos, monumentos de concreto e praças públicas não passam de fachadas ultrapassadas e desnecessárias, já que não causam admiração no cidadão (que é incapaz de se perceber neles).

A apropriação se dá quando o espaço reflete o sujeito. A partir do momento em que o campineiro conseguir enxergar-se no espaço público, ele será capaz de cuidar (já que é livre e responsável). Enquanto isso não se dá, ele se apropria de maneira irresponsável: joga lixo no chão, depreda monumentos e picha prédios históricos. Observa-se que o poder público municipal tem interesse em manter a cidade limpa e cria mecanismos para isso (pintura de fachadas, instalação de lixeiras, campanhas anti-pichação). Entretanto, é possível notar que as políticas criadas não ajudam o cidadão a se perceber na cidade e continuam a busca da eliminação de fatores que estão na superfície sem procurar as causas mais prováveis desse descaso com a coisa pública.

Performances culturais espalhadas pela cidade são sinal de apropriação cuidadosa e exercício de eliminação do medo de andar livremente pelas ruas. Tem-se a impressão que dois mil e nove ainda não começou para a cultura em Campinas. A Estação não abre mais sua plataforma para shows aos domingos e os coretos permanecem ociosos nas praças do Centro. A não realização da Virada Cultural Paulista em Campinas é sintoma dessa política superficial que não privilegia a integração entre cidadão e rua. Um evento desse porte é capaz de pôr a cidade em movimento e reavivar os espaços públicos ociosos. O argumento da crise econômica mundial para a não realização do evento é equivocado, já que a cidade teve o orçamento aprovado no ano anterior e a Virada Cultural Paulista é proposta pela secretaria de cultura estadual. Arthur Achilles, secretario municipal de cultura, argumentou ao Correio Popular de cinco de maio que não haveria tempo hábil para as licitações dos equipamentos a serem utilizados. Entretanto, acredita-se que a Virada deveria constar no calendário da cidade (já que o evento acontece há dois anos em Campinas). A impressão que fica é a de manobra político-eleitoreira (dois mil e nove não é ano eleitoral).

Mais uma vez, perde-se a oportunidade de exercitar a saudável apropriação daquilo que, deveras, é público. Enquanto o cidadão não sentir-se integrado à rua, não haverá oportunidade de revitalização: a cidade continuará provinciana, pacata e sem criatividade. Até quando artistas e cidadãos antenados de Campinas precisarão deslocar-se para saciar a sua necessidade cultural? A pretensão de tornar-se uma metrópole se esvazia cada vez que a cidade se nega a movimentar-se internamente e sua alma permanece acinzentada e sem vida.