quarta-feira, 29 de abril de 2009

tg


O Terminal Guadalupe, sem dúvida, foi uma das maiores bandas que o Brasil já teve. O anúncio de seu fim fez o Descontrole antecipar a republicação da entrevista concedida à nossa #3 edição. Enquanto lê, escute as músicas do TG no próprio site da banda.
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Uma das bandas mais promissoras do rock nacional, Terminal Guadalupe (Curitiba) vem trilhando um caminho interessante desde o início da década. A pré-história da banda se dá com Dary Jr. fabricando canções para o filme “Burocracia Romântica”, em 2003. Depois veio uma coletânea chamada “Girassóis Clonados” (2004) e, para firmar a formação da banda, em 2005 foi lançado o disco “Você vai perder o chão”, primeiro álbum de rock do país a ser lançado em formato SMD (Semi-Metalic Disk). Além de Dary Jr (voz e letras), o TG é composto por Allan Yokohama (guitarra e voz), Fabiano Ferronato (bateria), Lucas Borba (guitarra, integrado à banda após a gravação de “A Marcha dos Invisíveis” (2007). Rubens K, que tocava baixo, hoje já não faz parte da banda.
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Terminal Guadalupe era o que faltava na música pop brasileira. Desde Cazuza e Legião Urbana não surgem bandas com letras tão significativas e críticas. A já extinta Violins (Goiânia), os acreanos do Los Porongas e o Terminal Guadalupe vieram pra preencher uma lacuna que permaneceu por, pelo menos, uma década na história do rock nacional. O vocalista Dary Jr. falou com o Descontrole em entrevista exclusiva: “É uma honra ser colocado ao lado de quem sou fã. Se, juntos, conseguimos preencher uma lacuna, ainda é cedo para dizer. O fato é que as boas letras sempre foram uma tradição da MPB que o rock nacional tentou manter. Infelizmente, o texto piorou dos anos 90 para cá. As exceções (Chico Science, Marcelo Yuka, Marcelo Camelo) confirmam a regra”. As influências do TG passam, mesmo, pelas letras do rock nacional dos anos oitenta e, ainda, pelo barulho das bandas dos anos noventa. A banda define o seu próprio som como sendo “Pop de Garagem”. “O rótulo é uma brincadeira com a imprensa de carimbo”, explica Dary. “Resolvemos nos antecipar, só isso. Já viu quantas classificações existem por aí? Às vezes, essas tentativas de definir um som mais confundem que esclarecem. Acredito que o Terminal Guadalupe faz parte de uma linhagem de bandas que não falam bobagens e tocam direitinho. Aliás, aproveito para registrar que nada temos contra quem fala besteiras e toca mal (risos)”.
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O nome da banda é uma referência a um lugar específico da capital paranaense. “Toda metrópole do Terceiro Mundo tem um lugar como o Terminal Guadalupe, uma estação de ônibus freqüentada por todo tipo de gente, de prostitutas a missionários, de donas de casa a traficantes, de ladrões a trabalhadores exemplares - a maioria, tratada como estatística. Não é cartão-postal, não é prédio histórico, não é cosmético. O Terminal Guadalupe é onde começa e acaba o mito da cidade perfeita”.O tom politizado de algumas letras parece não tirar o espírito de diversão do grupo que permite um som pop em algumas canções (“De Turim a Acapulco” gruda como se fosse chiclete). As dez canções de “A Marcha dos invisíveis” poderiam muito bem tocar no rádio. “De que adianta um discurso que não te emociona? É preciso que a música funcione. Sim, a gente se diverte na busca desse equilíbrio entre o que cantamos e tocamos. Normalmente o Allan (Yokohama, guitarrista) traz uma música que eu 'edito' com ele antes de fazer a letra. Depois, levamos essa estrutura para banda lapidar nos arranjos. É o nosso método de trabalho”. O disco foi gravado no estúdio Toca do Bandido, idealizado por Tom Capone e que já registrou Wander Wildner e Maria Rita. Os músicos da banda não chegaram a conhecer Tom Capone: “ele já tinha morrido quando conhecemos o estúdio” (Tom faleceu num acidente de moto quando trafegava por uma importante avenida de Los Angeles, após deixar a cerimônia do Grammy que premiava Maria Rita, em 2004). A gravação na Toca fez com que o disco ganhasse uma qualidade especial. “Fomos gravar lá por insistência do produtor Tomás Magno, que se ofereceu para trabalhar conosco em “A Marcha dos Invisíveis”. Deu no que deu: um álbum com qualidade gringa”.
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O TG é uma banda independente, mas possui um odor pop que garante à banda a possibilidade de um grande sucesso. Os críticos têm elogiado a banda e colocado-a par à par com grandes nomes do rock nacional (Legião Urbana, por exemplo). O que a banda pensa sobre a possibilidade de um enorme sucesso? “Nós não perseguimos o sucesso, mas estamos preparados para ele e gostaríamos de viver a experiência de estar na boca do povo com as nossas canções. O desafio é alcançar esse nível sem compor com o estômago, sem abdicar de convicções, sem vender a alma”. Os integrantes da banda ainda não conseguem dedicar tempo integral á música: “não chegamos nesse estágio, mas acreditamos que viver de música possa virar realidade”.
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Com disco novo esperado para o final de 2008, o Terminal Guadalupe tem percorrido um caminho de prestígio (“A Marcha dos Invisíveis” – 2007 – configurou entre os melhores do ano em diversas listas de críticos, sites e revistas) e traz de volta alguns elementos importantes que o rock nacional tinha deixado para trás. Estiveram em Campinas, em janeiro, para uma apresentação mais que eletrizante no Bar do Zé, ao lado de Radiare (também nesta edição do zine) e têm percorrido o país com seus shows e boas intenções roqueiras. Neste ano, ainda lançaram um disco ao vivo não oficial chamado “Como despontar para o anonimato” (disponível para audição no MySpace da banda). Visite os sites, ouça as músicas e conheça o TG:

sexta-feira, 3 de abril de 2009

del-o-max


Essa entrevista com a banda Campineira Del-O-Max foi o carro chefe da nossa #2 edição. Enquanto a edição #4 não sai, vamos reler aquilo que o DeSCoNTRoLe já produziu de melhor:
EU NÃO QUERO SER EU!

Hey! Qual é o estilo musical mais popular do mundo? Desde os anos 50, com um pezinho na cultura norte-americana e o outro querendo dar um passo que atingiria o mundo inteiro, o rock’n’roll vem fazendo sujeitos chacoalharem o esqueleto e já passou por inúmeras transformações, já ganhou não sei quantos rótulos, já realizou um sem-número de combinações, mas manteve algumas características intactas até aqui. Quantas vezes se ouviu falar que o rock morreu? Têm dito por aí que, hoje, só o que as bandas fazem é dar uma requentada no que já foi apresentado por alguém em determinado período. Mas uma das características que define o rock é exatamente a sua heterogeneidade e a capacidade que tem de se reciclar e reinventar.

O Del-O-Max, banda de Campinas formada por Guilherme Campos (voz/baixo), Maurício Struckel (guitarra/voz), Renato Henriques (baixo/orgão) e Alessandro Soave (bateria), reconhece-se como uma banda inspirada por um apanhado geral da história do rock simples e sujo. Mas quem prestou a atenção na formação da banda descrita acima, percebeu que há uma peculiaridade (que, já na primeira audição, deixa claro que o Del-O-Max não é só mais uma bandinha underground do interior): são dois baixos! Em 2007 a banda lançou “Too Hard”, seu melhor trabalho até aqui, e quase entrou para a história como a banda brasileira que gravou o último disco de vinil nacional (não fossem os subsídios do governo para manter a PolySom em funcionamento, “Too Hard” teria sido o último registro em vinil realizado em solo brasileiro). Contudo o Del-O-Max faz história não por qualquer imprevisto afortunado, mas pela qualidade do trabalho de amigos que se unem pela diversão: “começamos a tocar simplesmente por gostarmos de música”, afirma Renato. Seu trabalho tem qualidade e se destaca em meio ao cenário atual do rock feito pelas bandas de cá. Em 2004 a galera de Campinas chegou a dividir o palco com os escoceses do Teenage Fanclub: “Fizemos um bom show nesse dia”, lembra Guilherme Campos, “foi mais divertido que qualquer outro... mas o interessante mesmo foi a festinha que rolou depois! Sempre imaginei que escoceses bebiam Whiskey... é verdade!!”. Renato completa: “Sem dúvida ter aberto para o Teenage Fanclub foi um dos pontos altos na carreira da banda. O Teenage é uma das unanimidades que temos na hora de ouvir um som em casa, etc. Assim foi legal irmos vendo a banda crescer, a ponto de podermos tocar ao lado de uma banda que já gostávamos antes da nossa existir e, ainda, termos uma reação bastante positiva do público que estava lá, sobretudo, para ver os escoceses”.

A gravação do último disco tem qualidade bastante superior que os registros anteriores e, apesar de ter decidido lançar o disco em formato de vinil, o Del-O-Max não fugiu dessa nova configuração da música. Fala aí, Renato Henriques: “acreditamos que a disponibilização de arquivos MP3 e similares de fato democratizou a música. Antes você ouvia apenas o que era vendido em lojas, o que refletia as imposições da indústria fonográfica. Com o MP3, praticamente toda a música do mundo ficou disponível, assim, cabe ao ouvinte escolher se quer ouvir uma banda de garagem da Turquia dos anos 60, ou um novo hit, trilha de algum filme sucesso de bilheteria. Antes essa escolha não era possível. Se quisesse algo diferente, tinha que encomendar o disco – o que era caro – e, assim, não dava para arriscar muitos tiros no escuro. Por outro lado, crescemos indo em sebos de LPs no sábado de manhã e cultuamos uma estética ‘vintage’. Assim todos nós acabamos ficando com um certo ‘fetiche’ por discos de vinil. Conseguimos a chance de também fazer o nosso e ficamos extremamente felizes com o resultado. Assim, demos aos fãs duas alternativas. Se gostarem de nossa música, ou quiserem conhecer, podem entrar em http://www.del-o-max.com.br/ e baixar o disco inteiro e se quiserem passar para os amigos, melhor ainda. Por outro lado, se preferirem um objeto colecionável e bem produzido, podem adquirir o disco em vinil, pois escolhemos o melhor estúdio, papel, gráfica e gramatura do LP que foi possível para a banda”. O Guilherme vai um pouco além e liga essa nova realidade da música com a relação que os artistas têm com as gravadoras: “é ótimo ter opções, poder escolher, e melhor ainda poder conhecer antes de escolher. Finalmente as coisas funcionam assim. Isso é um problema para as gravadoras, talvez”.

“Too Hard”, mesmo antes de nascer, tinha a pretensão de soar cru e pesado. A intenção da banda era mostrar seu trabalho tal qual como quando se apresenta nos shows. O baixista Campos se orgulha: “Too Hard é o melhor do Del-O-Max, com certeza, nesse disco a gente conseguiu se manter o mais fiel possível ao que as pessoas vêem nos palcos”. E o baixista Henriques explica o processo de gravação: “pela primeira vez, acreditamos que conseguimos captar em uma gravação a energia e ‘massa sonora’ que conseguíamos ao vivo. No disco, de fato é a banda tocando e quase que não há efeitos adicionados nem nada assim. É o Del-o-max tal como é no palco, com algumas camadas sonoras acrescidas, já que tivemos um bom estúdio à disposição para tal”.

As músicas da banda são em inglês e prezam por um clima essencialmente rock’n’roll, festeiro, garageiro, jovem. Um pouco diferente do que a cidade de Campinas está acostumada a oferecer para os fãs da música pop. Aliás, Campinas tem, ainda, uma cultura bastante provinciana, pacata, conservadora no que diz respeito à música. Isso, talvez, seja um dos motivos para a dificuldade de se criar, aqui, um conjunto de fatores que aqueça o cenário da cultura pop local. Elementos não faltam: boas bandas, bons bares, lojas de discos, estúdios de arte, iniciativas pessoais, publicações... O que falta? “O que falta é as pessoas esquecerem a cultura de panelinhas (e de cada uma delas se achar ‘a cena’) e saírem de casa. Pois o resto (bares, bandas, centros culturais, etc, etc) não falta por aqui – e é uma das cidades onde os ingressos de shows e a cerveja são das mais baratas. Não entendo muito o pessoal daqui não (risos)! Falta também as bandas quererem tocar para as pessoas, e não somente para os membros das outras bandas”, reflete Renato. Guilherme continua: “querer as bandas querem... e pra dizer a verdade, querem até demais... falta mesmo é a massa. Como se faz um bolo sem a massa? Bolo de cobertura? Nunca vi isso dar certo... mas em Campinas as pessoas esperam isso, que a cobertura resolva o problema da falta de massa. É impossível! qualquer receita de bolo diz isso!”.

O próprio Del-O-Max tem algumas iniciativas que conspiram para uma junção dos fatores existentes na cidade. O Radi-O-Max é um projeto em que os membros da banda apenas discotecam e trazem bandas e DJs convidados: “acaba trazendo bem à tona o gosto musical de cada um dos nossos integrantes, e ainda acabamos beneficiados com os intercâmbios que fazemos (não só pela troca em si, mas também pela chance de podermos trazer e ver ao vivo bandas que gostamos bastante)”, explica Renato que, na época do Clube Informal, mantinha o ModClub, uma festa em que tocava garage 60s e 00s entre outras coisas: “estou sempre levando projetos assim a diante, mesmo que efêmeros. Após a ‘pausa’ do Informal, ainda cheguei a mexer em atividades bem semelhantes em locais como o Bar do Zé (Campinas) e Astronete (São Paulo). Mas com as últimas conversas que tive com o Alcides (Informal) tudo indica que o projeto deve continuar, mesmo que esporádico”.

Será que além de Renato Henriques os outros membros da banda têm projetos “paralelos”? É ele mesmo quem responde: “sim! Nós todos temos contas à pagar, já estamos envelhecendo (risos) e só a banda não consegue sustentar o estilo de vida que queremos. Assim, todos nós temos trabalhos ‘comuns’ e também outras atividades diferentes de trabalho. O Guilherme (voz/baixo) é um ótimo fotógrafo e utiliza esta expressão tanto como trabalho quanto como arte. Vem também se entusiasmando bastante com a música eletrônica. O Alessandro (bateria) vem conseguindo destaque nos bastidores da TV UNICAMP e é um grande entusiasta de atividades ao ar livre, sobretudo em locais ‘inóspitos’, como Patagônia, Pantanal, etc. O Maurício também toca guitarra no Radiare, que recentemente teve destaque no MTV Banda Antes. Ele é arquiteto, mas tem direcionado sua carreira cada vez mais para o Web Design. Eu (Renato/Baixo) no momento estou trabalhando com Biodiesel, e tal como o Maurício (além de ser um grande entusiasta do Design), coleciono miniaturas de carros antigos (o submundo dos carrinhos é bem mais barra-pesada que o do rock, sério mesmo!), sobretudo aqueles ligados a algo que gosto bastante, que são as contraculturas dos anos 60 (hot rods, low riders, etc, são algumas categorias de carros ligados a elas). Em http://www.fotolog.com/hotminis ou http://www.flickr.com/photos/hotminis há algumas fotos trabalhadas digitalmente de carros da minha coleção”. E Guilherme Campos dá o recado final: “por falar nisso... venceu nossa conta da sala de ensaio desse mês!! e o domínio da internet!! Olha o chapéu passando de novo!!”

Não, não é fácil estar conectado ao mundo da música pelo cabo da independência. São inúmeras as dificuldades que uma banda tem que enfrentar e somente o amor à causa é capaz de sustentar realidades como o Del-O-Max. O fato de a banda se ver como um grupo de amigos disposto a se divertir, faz com que essa paixão pelo rock’n’roll venha à tona. As marcas disso ficaram impressas no último trabalho dos meninos de Campinas, o “Too Hard”. Esse registro prova a capacidade que uma banda tem de se interessar pelo passado e pela preservação de alguns elementos que muito significaram (e significam) para a história da música e, ao mesmo tempo, a possibilidade de se manter antenada aos sinais dos tempos e responder às necessidades de seus contemporâneos. O fato de o Del-O-Max ter lançado o disco nos dois formatos é como que uma representação concreta daquilo que é mesmo o som da banda. Só ouvindo pra saber do que se trata.